Este conto pertence ao livro Histórias do tio Karel.
Leia um trecho:
— Houve uma época — começou Karel — em que o leão podia voar.
— Oooh! — As crianças suspiraram em uníssono, com os olhos arregalados pelo terror que essa frase lhes causou.
— Pois é, senhorzinhos, e nessa época ninguém conseguia escapar dele. Suas asas não tinham penas, eram iguais às do morcego, apenas pele e ossos. Eram muito grandes, grossas e fortes. Quando o leão estava no chão, ficavam dobradas em seus flancos. Quando ficava bravo, as apontava para o chão e grrrr, como quando o peru faz glu, glu, glu para se exibir para suas esposas. E antes de levantar voo ele as abria e batia para cima e para baixo, cada vez mais rápido, até esvoaçar tudo ao redor e sair planando pelo ar.
Karel balançou seus braços tortos e estufou seu peito desproporcionalmente grande como se ele próprio fosse levantar voo, até que se acalmou novamente em seu banquinho.
— Era uma visão de arrepiar! Ficava lá em cima no céu procurando algum animal aqui na terra que ele pudesse comer. Se visse um bando de gazelas, dava um voo rasante até chegar bem perto delas, e então escolhia uma bem gordinha. Esticava suas garras de aço, fechava as asas e… vupt!… caía em cima do pobre animalzinho sem que ele tivesse tempo de escapar. Pois é, era assim que o leão caçava antigamente. Ele só tinha medo de uma coisa: que os ossos dos animais que ele comia se partissem em pedaços. Ninguém sabia por que e todos tinham muito medo do leão para tentar descobrir. Guardava todos os ossos em sua toca no desfiladeiro e dois corvos faziam turnos na guarda. Corvos brancos e raros, não os escuros que ficam nos salgueiros. Quando um filhote de corvo branco nascia, era levado ao leão, pois essas eram suas ordens. Ficavam no desfiladeiro até crescerem. Quando os corvos mais velhos morriam, os próximos assumiam o posto na guarda por ordem de idade. Por isso sempre havia corvos brancos vigiando os ossos do leão enquanto ele caçava. Um dia o leão havia saído e o grande sapo-boi veio salta-salta-saltitando e disse:
“Corvos brancos, por que ficam aí parados o dia todo?”
Bisneta de George Rex, fundador da cidade de Knysna, na África do Sul, sua compilação de contos folclóricos foi um esforço para preservar histórias infantis populares, comumente contadas à luz do fogo em regiões tribais. Escritora e dramaturga, foi uma das responsáveis por introduzir as artes cênicas na cultura sul-africana.